20.9.09

Alice Macedo Campos (Portugal)

    
     
       

foto jsm
    
     
     

vacila e treme o homem que entra neste verso. não usa roupa ou adereços, não corta as unhas dos pés, e sai-lhe do queixo uma cauda de pêlo comprido que lhe tapa o sexo. mantém o braço esquerdo erguido e fala com a mão. articula um diálogo perfeito, faz duas vozes, a dele próprio e outra feminina e doce. se na sua diz nunca te deixarei, na outra diz serei sempre tua. quando se cansa de falar, leva a mão à testa e pestaneja sobre ela.


o poeta que tem um homem nu num verso, não sabe o que há-de fazer. fica paralisado enquanto ouve a conversa dele com a sua mão.

na sua voz diz:

dá-me por esta noite a carne ainda quente de um beijo,
uma pedra de fogo que possa incendiar outra pedra,
dois remos para navegar águas escuras,
águas tão densas como as que nascem da montanha,
um rio, meu amor, dá-me por esta noite um rio
que comece no teu corpo de neve,
atravesse o tempo, a luz vertiginosa,
e se afogue nos meus olhos.

na outra voz responde:

eu dou-te o nome do silêncio, uma
casa onde possas habitar até que
a morte nos restitua, um livro para
me escreveres o sol claríssimo, as
azeitonas fazendo o virgem óleo.

o poeta chora. lê a biografia do homem e compreende. foi ele quem guardou o último suspiro da amada na mão que lhe amparava o rosto. desde então, conversa com ela para suportar.

   
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11 comentários:

José Pires F. disse...

Eu fico sempre encantado com a Alice. Esta mulher é dona de uma escrita simplesmente portentosa, como se prova aqui, aliás.

Uma nossa amiga, poeta também, costuma dizer que um dia se vai ouvir falar muito da Alice. Eu acredito e acrescento: não percebo porque não se fala já. Para além de ser uma grande escritora e poeta, é dona de uma imaginação invulgar.

Forte abraço, meu caro JSM.

Beijo, querida Alice.

maria josé quintela disse...

sabe bem voltar a "ouvir" a voz da alice. como sabe bem o silêncio do outono depois do ruído do verão.


um beijo para a alice (seja lá em que país de maravilhas ela estiver a amadurecer as palavras)


abraço.

maré disse...

ele: para sempre
ela: eternamente tua
era a voz de Pigmalião esculpindo Galateia. as mãos incansáveis no diálogo aceso . a incendiar a pedra.
a lua é de espelho navegável de barcos sobre a ria.
ele: dá-me a esperança dos olhos que acreditam. dá-me a semente de uma luz que me teça os teus cabelos e docemente me toque como a tremura de uma pele.
e ela disse: meu amor, dou-te o rosto da memória, esta casa de silêncio onde um dia te guardei para te indicar um caminho onde a noite adormece.
___ as mãos esculpindo, esculpindo, como que apreendendo uma voz.

Que me perdoe a Alice, mas achei tão profundo que não resisti
e beijos José. de voz emocionada, multiplicados

Isabel disse...

s.o.b.e.r.b.o.!!!!!



uma terrivel força imagética num estilo irrepreensível!

a isto se chama TALeNTO!


.


abraço.


bom dia Maré...que assim se "acrescenta"....bom dia PF....assertivo.


boa escolha JSM.

Isabel disse...

e___________________

olá MJQ....:)

Isabel disse...

esqueci:


este mar é ...
é.............



É!

Maresias disse...

Alice Campos mais uma Poeta.



Junto-me a vocês

na memória que traduz a sua escrita.

Um beijo re.fresco

maria josé quintela disse...

olá Y....:)

Graça Pires disse...

A Alice tem textos muito fortes, cheios da emoção que nos perturba.
Um abraço.

Anónimo disse...

perdoe-me só agora agradecer esta publicação tão bonita da sua parte e igualmente tão generosa, mas não me foi possível consultar a net a não ser hoje, ao fim de vários meses de ausência. muito obrigada.

agradeço igualmente as palavras que os demais comentadores escreveram. bem hajam...

Vinte e Quatro disse...

Segunda vez a ler esta autora....GOSTEI! E PARABENS pelo blog!

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vinteEquatro