30.8.09

Maria José Quintela (Portugal)





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são sílabas lentas. a debandar pássaros tontos. na rota do desencontro entre a pele e o abraço. à velocidade de um atraso eterno.
são vagos pressentimentos. imperceptíveis rupturas. pétalas que o vento arranca dos ninhos da pele. e um deus indistinto que me murmura ao ouvido os fluidos da noite em sons de renuncia.
são os olhos. a abrirem devagar pela manhã. tão sem âncora. tão sem alvo. tão vazios e desistentes. que apetece ficar assim para sempre. no escorregar de um chão de marinheiro. a fundear segredos na água. moinho de qualquer mágoa.



29.8.09

Frantisek Halas ( República Checa)





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Versos
      
Tão cego
apesar da felicidade da vista
tão surdo
apesar do privilégio do ouvido
      
Uma folha ao vento só tu na romanza
o pássaro na rede. Na chuva um cantar
um verme na rosa na esperança uma armadilha
lágrimas na garganta. Nas tuas palavras sangue.
          
Tão cego
apesar da felicidade da vista
tão surdo
apesar do privilégio do ouvido
      
       
         
Tradução de Ernesto Sampaio
     
     

28.8.09

Eme (Portugal)





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Tinha sido em tempos longíquos a mão que sabia soltar no papel. Quando num dia que era de tantos dias se abriu a porta aos olhos, derramou todo o sal da alma e tudo o que era dom de nascido evanesceu sem rasto nas profundezas das células. Sem dor. Doía apenas ter conhecido o que era ser o Homem da espécie que se nega escalar a mesma montanha que o seu irmão.

Num simples acto do respirar, saiu dos olhares dos outros fechando as letras na caixa do lado esquerdo e entregou-se ao esquecimento.


Hans Faverey (Países Baixos)





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O Barco Em Que Se Deve

deixar baloiçar
um homem. Uma mulher

em que se pensa, em que o homem pensa,

até ao último momento, talvez.
Devemos então fechar os olhos
para ver como, mar calmo,
e vista clara, o barco uma vez
após outra, cada vez mais penetrante,
alcança o mesmo promontório.



Tradução de August Willemsen e Egito Gonçalves.

26.8.09

Isabel Mendes Ferreira (Portugal)

    
     
      


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e a cada barco sou outro. em portos que me separam de todas
as pontes.
só o corpo não cede aos nós. que divido. tear das horas
...frutos amargos que saltam para o cais. os homens são
aranhas dentro das ondas...e o tempo é um heterónimo juvenil.



             

Anónimo - Romancero General (Espanha - Início séc. XVII)

     
      



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Ai, doce pensamento meu,
quando me levarás onde te envio eu!
   




Tradução de José Bento.



16.8.09

Wintos (América do Norte)

    
     
     
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Tu e eu iremos

Lá no alto tu e eu iremos;
pela Via Láctea tu e eu iremos;
pela estrada florida tu e eu iremos;
colhendo flores sem pararmos tu e eu iremos.






Versão de Herberto Helder
     
      
      

15.8.09

Iraida Petrova-Nars (Chuvache)



A Fonte e o Sol.

Meio-dia. Verão.
O Sol está cansado de aquecer.
Na Fonte transparente
Deixou cair o rosto anelado
Acariciando os cabelos do Sol
A Fonte canta em murmúrio.
O Sol beija a Fonte
E na frescura transparente adormece.

Tradução de Maria Etelvina Santos