13.12.09

Albano Martins (Portugal)

 
 


foto jsm




Entras
em mim descalça, vulnerável
como um alvo próximo, ferida
nos joelhos e nas coxas. Pelo tacto
nos conhecemos, é essa luz
oblíqua que nos cega. E te pertenço
e me pertences como
a lâmina
à bainha, a chama
ao pavio.
    
   

29.11.09

Ruy Belo (Portugal)

   
    



foto jsm
   
   

EPÍGRAFE PARA A NOSSA SOLIDÃO


Cruzámos nossos olhos em alguma esquina
demos civicamente os bons dias:
chamar-nos-ão vais ver contemporâneos
     
     

23.11.09

Prémio Revelação em Literatura Infantil e Juvenil Matilde Rosa Araújo

  



Era uma vez... um mundo


Um grupo de jovens finalistas do Secundário, um orientador, uma escola, muitos amigos e... o mundo. No mundo, do mundo e para o mundo, num misto de culturas, pensamentos, emoções e atitudes nasce uma vontade – mostrar que a tolerância facilita o diálogo.

A OLHA Edições tem a honra de anunciar que o seu primeiro livro "Era uma vez... Um mundo" foi agraciado com o Prémio Revelação em Literatura Infantil e Juvenil Matilde Rosa Araújo, para o qual se tinha candidatado no passado mês de Junho.

Este livro foi desenvolvido no Colégio Marista de Carcavelos, sob a coordenação do Professor António Coelho.

Em nome da OLHA, e como parceira do projecto, envio aos autores e co-autores o meu abraço de parabéns.


Paula Viotti
Directora da OLHA Edições
    
     

20.11.09

Kalidasa (India)

     
      

foto jsm
    
    
    
O DESEJO...




O desejo a impele ao encontro do amante
O receio a detém por um momento
Parece a seda de um estandarte
Que ora se abandona ora se furta ao vento



Tradução de Jorge Sousa Braga
     
     

14.11.09

Fiama Hasse Pais Brandão (Portugal)

     
    


foto da net sem indicação de autor
    
  


Epístola para Dédalo

Porque deste a teu filho asas de plumagem e cera
se o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.

in Epístolas e Memorandos, 1996
   

13.11.09

Maresias (Portugal)

     
    

"Os Poetas saem à Rua"


  
Antologia poética em formato de pins, da autoria da Maresias.
    
    

12.11.09

Florbela Espanca (Portugal)

   
     



foto jsm




Tarde no mar


A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Pousa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue o seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...
    
     

3.11.09

Anónimo (Antologia Grega)

  
   



foto jsm

   
     
   
Oferenda
      
Ofereço-te um perfume? Ofereço-te ao perfume?
No fim de contas, tu — perfumas o perfume.



Tradução de David Mourão Ferreira
     
    

1.11.09

Pierre Kemp (Países Baixos)

   
   


foto jsm
    
   

Sonhos

Certas noites  sigo uma luz amarela
até uma porta azul, onde se lê: Sonho.
A porta não é aberta por minha mão
nem sou convidado por uma mulher
para comprar sonhos, e mesmo assim
sempre eles foram pagos por mim.
À noite não fiquei nada a dever.
   
   
Tradução de Fernando Venâncio
    
     

26.10.09

Hilda Hilst (Brasil)

     
     
     


foto jsm
     
     


Antes que o mundo acabe, Túlio,

Deita-te e prova

Esse milagre do gosto

Que se fez na minha boca

Enquanto o mundo grita

Belicoso. E ao meu lado

Te fazes árabe, me faço israelita

E nos cobrimos de beijos

E de flores



Antes que o mundo se acabe

Antes que acabe em nós

Nosso desejo.





(Júbilo Memória Noviciado da Paixão (1974) - Árias Pequenas. Para Bandolim - XI)
      
      

24.10.09

Jacques Prévert (França)

         
    



Óleo de Isabel Mendes Ferreira
    
    
     



O Pintor, o pássaro e a gaiola


Primeiro pinte uma gaiola com a porta aberta
Depois pinte
algo gracioso,
algo simples,
algo bonito
algo útil
para o pássaro.
Então encoste a tela a uma árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta.
Esconda-se atrás da árvore
sem falar
sem se mover...
Às vezes o pássaro aparece logo
mas ele pode demorar muitos anos
antes de se decidir.
Não desanime.
Espere.
Espere durante anos se necessário.
A rapidez ou a lentidão do pássaro
não influi no bom resultado do quadro.
Quando o pássaro aparecer
se ele aparecer
observe no mais profundo silêncio
até o pássaro entrar na gaiola.
E quando ele entrar
delicadamente feche a porta com o pincel.
Então
apague uma a uma todas as grades
tomando cuidado para não tocar
na plumagem do pássaro.
Em seguida pinte a árvore
escolhendo o mais bonito dos seus galhos
para o pássaro.
Pinte também a folhagem verde
e o frescor do vento
o dourado do sol
e a algazarra das criaturas na relva
sob o calor do verão.
E então espere até que o pássaro decida cantar.
Se o pássaro não cantar
é um mau sinal,
um sinal de que a pintura está ruim.
Mas se ele cantar é um bom sinal,
um sinal de que você pode assinar.
Então, com muita delicadeza,
você arranca uma das penas do pássaro
e escreve o seu nome num canto do quadro.
    
    
    

22.10.09

J.V. Cunningham (E.U.A.)

      
    
     


foto jsm
   
      
     

Sobre um verso do «Belvedere»
              de Bodenham

«A experiência é a amante da velhice»:
Mantida à minha custa, velha como eu, cabra
E parasita, fornico-a cheio de raiva
E matá-la-ia, mas qual de nós é qual?


Tradução de José Alberto Oliveira
   
    

17.10.09

Hélia Correia (Portugal)

     
    
    


Xilogravura de Ernesto Bonato
Série-Deambulatórios-2007
     
    
    



Ouço o incêndio, as fábricas. O berço
do suor interrupto. Ouço às vezes quem se ama
onde o amor não há – apenas morre
no clandestino abrir.
Ouço às vezes quem rompe os mapas cerce
e então na noite recupera as loucas
emigrações da história. Ouço crescendo
secamente os filhos no rancor e na linfa.
Astuciosamente recolhendo as vastidões adversas.
Ouço em momentos fartos o entulho,
desdobrada a raiz, fundar o mês da heresia,
a sábia recriação do sumo.
Ouço o arado. A luz. Profundamente
os barcos segregados na propensão do mar.
Ainda quem a medo desagregue
a centenária paz:
- os homens,
onde os ouço, aqui recordo
as origens compradas do terror.
Os homens, onde os ouço, aqui confirmo
suas mãos.
     
       
   

15.10.09

Amalia Bautista (Espanha)

   



foto Paulo V.

    
     


A Partida

Duas mulheres jogavam as cartas.
Eram as duas formosas e perversas.
As duas faziam batota. A partida
prolongava-se mais do que o costume,
a julgar pelos gestos de impaciência
que nenhuma ocultava. Vida e Morte
se chamavam. E tinham apostado
o coração de um homem, como sempre.
    
      

13.10.09

Maria Amaral (Portugal)



    



   
    

   
     

    


O que ata ou desata a linha vaga e breve, intensa e clara ideia do que é ou deveria ser o silêncio?

O que é exactamente a pintura, a “habitabilidade gestual”, o talento, a Arte em si mesma?

Em que margem desassossegada se instalam os ritmos certos do que é e do que parece ser? Ou se quiserem, do que é aparência intencional e do que foge à retórica estilística?

Perguntas às quais nenhuma paleta responde. Perguntas que só fazem sentido enquanto isso mesmo: interrogações sobre um caminho vivido sempre a sós. Como ostensiva e serenamente faz Maria Amaral.

Uma Pintora que troca o lugar do silêncio, que abre as portas da solidão, que investe no rumor do azul quase pálido, que nos inquieta. Uma Pintura onde o espaço não tem mancha, onde as manchas invadem o nosso espaço de sonhar. E sempre o silêncio a bater nas arestas, e sempre um horizonte afogado de cinzas que nos apertam, de rosados estrangulados a quererem saltar, ora de um Alentejo ora de uma cosmopolita Nova Iorque.

Maria Amaral não facilita, não se desvenda em aventuras cromáticas fortuitas, não descura a forma, não aveluda as esquinas.

Maria Amaral trata com secreto pudor a dor maior do silêncio. E nele nos perdemos de tanto procurar o que existe de comum entre lugares tão separados quanto colados, e afinal, o que nos aproxima é uma arte pessoalíssima: a Arte de pintar o invisível, a Arte de arrebatar o ventre da cal à cal do silêncio.

Nesta Pintora, que não se mede por “modismos”, mede-se a distância. A terrível e fascinante distância do amor. Maria Amaral anda à solta por dentro das raízes. Deixemo-nos pois guiar nesta doce invisibilidade onde ainda nos é permitido imaginar a tela de um amanhecer. Que importa o lugar? Ela devolve-nos à pureza de um tempo sem limites!

Isabel Mendes Ferreira / Galeria JE 1997

   

12.10.09

Ribeiro Couto (Brasil)

   
    



foto jsm
   
    
    


Chuva

A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.

Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
Se um de nós vai falar e recua depois.

Dentro de nós existe uma tarde mais fria...

Ah! para que falar? Como é suave, brando,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando...
Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.

Chove dentro de nós... Chove melancolia...
    

10.10.09

José Joaquim Passos (Nicarágua)

  
      

 

foto jsm
     
     
    

Quatro
   
Fechando estou meu corpo com as quatro paredes,
nas quatro janelas que teu corpo me abriu.
Estou a ficar só com meus quatro silêncios:
o teu, o meu, o do ar, o de Deus.
   
Vou descendo tranquilo por minhas quatro escadas,
vou descendo por dentro, muito dentro de eu,
onde estão quatro vezes quatro campos enormes.
Por dentro, muito dentro, - que vastidão eu sou!
  
E que pequena és tu com teus quatro reais,
com teus quatro vestidos feitos em Nova Iorque.
Vais ficando despida e pobre ante meus olhos;
quatro vezes te quis; quatro vezes já não.
    
Estou a fechar minha alma, já não espreito a ver-te,
Já não te vejo o ar que meu amor te dera;
vou descendo tranquilo com meus quatro carinhos:
o outro, o meu, o do ar, o de Deus.
    
     
Tradução de José Bento
    
      

7.10.09

Mário Cesariny (Portugal)

   
     



foto jsm
   
    
   
    
Em todas as ruas te encontro


Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
     
      

5.10.09

Fábio Videira Santos (Portugal)

    
     




foto jsm

   

Três escritos Queimados e outras quinquilharias

II

Jantei sozinho no escuro da sala
A refeição que teima em não me tirar a fome
Escrevi com os olhos o teu nome na parede em frente
E em silêncio mastiguei a tua aparência incólume.
Na rua agitam-se os passeios, levantam-se bandeiras e gritos
E eu passo ao lado disso como passei ao lado dos que já foram.
Talvez ir à varanda gritar o teu nome
Que persiste no céu da minha boca
Mas tudo isso é pavio empobrecido em cera pegajosa.
De que me vale uma lembrança de ti
Senão um passado que jamais será futuro?
Corre uma luz nas minhas veias
que não encontra aurícula onde desaguar
como a refeição que teima em não me tirar a fome.
Há pouco jantei sozinho no escuro da sala
E limpei o teu nome da parede
Vesti o traje negro e saí para a rua.


Aqui (link)
    
     

4.10.09

Carlos Edmundo de Ory (Espanha)

    
    
    



foto jsm





Dá-me

Dá-me algo mais que silêncio ou doçura
Algo que tenhas e não saibas
Não quero dádivas raras
Dá-me uma pedra

Não fiques imóvel fitando-me
como se quisesses dizer
que há muitas coisas mudas
ocultas no que se diz

Dá-me algo lento e fino
como uma faca nas costas
E se nada tens para dar-me
dá-me tudo o que te falta!



Versão de Herberto Helder.
    
    

3.10.09

David Mourão Ferreira (Portugal)

     
    
     


foto Paulo V.
     
     
     


Tentei fugir da mancha mais escura


Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.
    
    

2.10.09

Mena Brito (Portugal)

   
    


    
      


   
    


    
    
"Pois é, é mesmo assim: marítima, marinha, águas leves e dóceis por dentro do tecido de pele; esta é a nova aposta das renovadas pinturas de Mena Brito. E é com vigor e austeridade - musculosa força que se vence "aquariamente" - que um rosto, um corpo, vários sinais da infância, nos prende ao labirinto das águas, ao recato de uma estória desejada..."

Isabel Mendes Ferreira / 1998
     
     
    

28.9.09

Eugénio de Andrade (Portugal)

    
    



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Sem ti

E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.
   
   
   

27.9.09

Manoel de Barros (Brasil)

    
     
    


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Exercícios de ser criança  (trecho)

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
Era o mesmo que roubar um vento
e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
Porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge
ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro botando
ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
    
     
      

26.9.09

Isabel Mendes Ferreira (Portugal)

    
         



    
    

Técnica mista de óleo com acrílico e pastel de óleo


Nota: Livro de Joaquim Pessoa ilustrado com óleos de Isabel Mendes Ferreira.
Fotos gentilmente cedidas pela amiga Maresias.
     
      

24.9.09

Isabel Mendes Ferreira (Portugal)

    
     
   


Clicar para ler
     
      
  
      
      
Montagem roubada à Maresias.
     

 

22.9.09

Thomas Wyatt (Reino Unido)

    
     
     




   foto jsm
    
    
     
    
     
Com negro olvido por carregamento
minha galé, em noites de invernia,
voga entre escolhos; cruelmente a guia
o Amor, - o meu senhor e meu tormento!
   
Cada remo é um triste pensamento:
que a Morte, em transes tais, nos alivia;
sem cessar rasga a vela a ventania
dos meus suspiros - proceloso alento.
       
Aguaceiros de lágrimas cruéis
na cordagem fizeram farto dano...
Ah estrela enganosa que perdeis
meu coração, com tanto desengano!
    
Afogada a Razão, e sem conforto
eu desespero já de ir a bom porto.
    
      
    
Tradução de Luiz Cardim
      
     

20.9.09

Alice Macedo Campos (Portugal)

    
     
       

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vacila e treme o homem que entra neste verso. não usa roupa ou adereços, não corta as unhas dos pés, e sai-lhe do queixo uma cauda de pêlo comprido que lhe tapa o sexo. mantém o braço esquerdo erguido e fala com a mão. articula um diálogo perfeito, faz duas vozes, a dele próprio e outra feminina e doce. se na sua diz nunca te deixarei, na outra diz serei sempre tua. quando se cansa de falar, leva a mão à testa e pestaneja sobre ela.


o poeta que tem um homem nu num verso, não sabe o que há-de fazer. fica paralisado enquanto ouve a conversa dele com a sua mão.

na sua voz diz:

dá-me por esta noite a carne ainda quente de um beijo,
uma pedra de fogo que possa incendiar outra pedra,
dois remos para navegar águas escuras,
águas tão densas como as que nascem da montanha,
um rio, meu amor, dá-me por esta noite um rio
que comece no teu corpo de neve,
atravesse o tempo, a luz vertiginosa,
e se afogue nos meus olhos.

na outra voz responde:

eu dou-te o nome do silêncio, uma
casa onde possas habitar até que
a morte nos restitua, um livro para
me escreveres o sol claríssimo, as
azeitonas fazendo o virgem óleo.

o poeta chora. lê a biografia do homem e compreende. foi ele quem guardou o último suspiro da amada na mão que lhe amparava o rosto. desde então, conversa com ela para suportar.

   
Aqui (link)  
     
     

19.9.09

P.S. Rege (Índia)

          
      
 
      

       foto jsm
      
       
      
     
Sonho

Penso que devo ter adormecido por algum tempo;
Pois quando acordei tinhas vindo e partido.
Apenas algumas flores permaneciam -
Flores que não podiam sequer dizer quem eram...
E uma fragrância vaga e suave no ar.
    
Esta noite tenho de sonhar um sonho mais longo
Para que as flores falem
E a sua fragrância estenda uma trémula ponte
Entre nós.
     
      
      
Tradução de Cecília Rego Pinheiro
      
      
      

17.9.09

Maria Quintans (Portugal)

     
     
      

foto jsm

    
     
    

O Fim


Descubro-te no caderno da tinta a escorrer a
convexidade da palma da mão.
Devolvo-te a imagem. Antes fosse de madeira a
palavra, numa mesa de chá, a vomitar
cadências de limos. Disse-te que não, não era
o contorno que compunha a obra.
Era uma trémula encosta ali na elevação do
inútil. É nela que se sustenta a vontade e se
quebra a ponte entre a pele e a infância.

Desfolho o caderno e creio-te lá, envolta no
lixo estático da morte, em castidades
desfeitas na matemática do painel do teu
corpo.
O fim é a construção geométrica do orgasmo.
Suporte de pele nas tardes abstractas a
absolver o sangue menstrual do superior
sonho.
Qualquer sopro de fome distingue a muralha do
desejo da profecia do tempo. Por isso te
mato. Findo-te nesta folha abandonada ao
silêncio.

A pilha do relógio acabou. Deponho-te
espacialmente de caneta em punho no murmúrio
do traço. Sem esforço, evoco-te o fim do
pasmo. Exausto-te. Orgasmo-te.
   
     
     
Aqui (link)
   
     
     

16.9.09

Illé Tuktash (Chuvache)

   
     
    
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Dorme, amor!... Uma estrela nascente
Treme, suave, quando vem o vento leve.
Vibrando com o frio, o portão
Desenha os seus contornos no crepúsculo.
     
Dorme!... Esta noite serei uma pomba,
Descerei, leve, sobre a tua cortina,
Para sobre o peito te cruzar as asas,
E sem ruído,depois, te abraçar.
   
     
     
Tradução de Maria Etelvina Santos
     
     
      

15.9.09

Maré (Portugal)

  
  
   
 foto jsm
      
    
   
    

esta manhã sobra tudo de mim
ou nada me cabe.
talvez a noite
com a usura do seu casaco longo
tenha ancorado como um passageiro no meu corpo
e derrube os intervalos da febre.


sei que as aves podem ser ondas
nas fronteiras de outras mãos
mas é tarde na minha voz para nidificar outro nome.
neste parapeito onde descanso os olhos
há um desfocar súbito do futuro
que reforça a teoria de Heráclito :
a água passa e nunca lambe as mesmas asas.
     

      
      
Aqui (link)
      
       
       

14.9.09

Meleagro - Antologia Palatina (Grécia)

    
      
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Cegueira de Amor
        (XII. 60)
   
Um caso singular
mas sempre verdadeiro:
se poiso em ti o olhar
- abranjo o mundo inteiro!...
   
Porém, ó fado torvo e prepotente,
porém, ó sorte perra e negregada
se tu não vens, e passa toda a gente,
  Cego de repente
  - já não vejo nada!...
  
   
   
Tradução de Augusto Gil
    
     
     

7.9.09

simplesmenteeu (Portugal)

    
        
     
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no corredor de línguas ansiosas
traço o passo.
o salto livre.
desenho a asa
o desafio.
errante,
escapo ao poiso e ao destino.

escorrego nas nuvens
e a baloiçar ao vento
sou pele de outra pele.
e em abandono demorado
rasgo na madrugada
um novo rio
     
     
Aqui (link)
   
    
   

6.9.09

Eugénio Tavares (Cabo Verde)

   
         

     
foto jsm 
     
    
    
     
       
Partindo
    
      
Triste por te deixar, de manhãzinha
Desci ao porto. E logo, asas ao vento,
Fomos singrando, sob um céu cinzento,
Como, num ar de chuva, uma andorinha.
     
Olhos na ilha eu vi, amiga minha,
A pouco e pouco, num decrescimento,
Fugir o Lar, perder-se num momento
A montanha em que o nosso amor se aninha.
    
Nada pergunto; nem quero saber
Aonde vou: se voltarei sequer;
Quanto, em ventura ou lágrimas, me espera
     
Apenas sei, ó minha Primavera,
Que tu me ficas lacrimosa e triste.
E que sem ti a Luz já não existe.
      
      
      

5.9.09

Ângela Marques (Portugal)

    
      
     
foto jsm
       
      


ali visitei as horas mornas
e me detive
na sequência dos contornos
apenas livres
apenas leves
das ondas suaves azuis
espuma

perdi o anel
que me atava à vida
sufoquei uma lágrima
engoli um grito

ali ficou um pedaço de um naco de mim
     
   
   
    

3.9.09

Platão(?) Antologia Palatina (Grécia)

     
     
A Beleza Fugitiva
           (VI.1)


Eu, cuja beleza altiva sorriu-se da Grécia,
Lais, a cuja porta eram enxame os amantes,
o espelho, em que me via, hoje a Afrodite dedico.
Não quero ver-me qual sou, não posso ver-me qual fico.


Tradução de Fernando Pessoa.
     
      
     

2.9.09

Graça Pires (Portugal)





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Conta-se

Falava de barcos e naufrágios,
da luz incerta das cidades,
de mulheres de longos e húmidos cabelos.
Cabia em sua boca a mudez dos outros
e, por isso, lhe escorria dos lábios
um visível silêncio.
O mar fascinava-o tanto como a lua,
ou como o cais onde amarrava o barco,
quando o vento exercitava
o seu modo desavindo de lhe afagar o corpo.
Conta-se que as ondas lhe rebentavam nos olhos
sempre que entristecia.

      
   

1.9.09

Nahuas (México)








foto jsm
      
   
Eu não sei se estiveste ausente.
Eu deito-me contigo, e levanto-me contigo.
Nos meus sonhos tu estás junto a mim.
Se estremecem os brincos das minhas orelhas
eu sei que és tu que te moves no meu coração.
   
    
       
Tradução de José Agostinho Baptista
       

30.8.09

Maria José Quintela (Portugal)





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são sílabas lentas. a debandar pássaros tontos. na rota do desencontro entre a pele e o abraço. à velocidade de um atraso eterno.
são vagos pressentimentos. imperceptíveis rupturas. pétalas que o vento arranca dos ninhos da pele. e um deus indistinto que me murmura ao ouvido os fluidos da noite em sons de renuncia.
são os olhos. a abrirem devagar pela manhã. tão sem âncora. tão sem alvo. tão vazios e desistentes. que apetece ficar assim para sempre. no escorregar de um chão de marinheiro. a fundear segredos na água. moinho de qualquer mágoa.



29.8.09

Frantisek Halas ( República Checa)





foto jsm
  
     
      
         

Versos
      
Tão cego
apesar da felicidade da vista
tão surdo
apesar do privilégio do ouvido
      
Uma folha ao vento só tu na romanza
o pássaro na rede. Na chuva um cantar
um verme na rosa na esperança uma armadilha
lágrimas na garganta. Nas tuas palavras sangue.
          
Tão cego
apesar da felicidade da vista
tão surdo
apesar do privilégio do ouvido
      
       
         
Tradução de Ernesto Sampaio
     
     

28.8.09

Eme (Portugal)





foto jsm
     
         
        



Tinha sido em tempos longíquos a mão que sabia soltar no papel. Quando num dia que era de tantos dias se abriu a porta aos olhos, derramou todo o sal da alma e tudo o que era dom de nascido evanesceu sem rasto nas profundezas das células. Sem dor. Doía apenas ter conhecido o que era ser o Homem da espécie que se nega escalar a mesma montanha que o seu irmão.

Num simples acto do respirar, saiu dos olhares dos outros fechando as letras na caixa do lado esquerdo e entregou-se ao esquecimento.


Hans Faverey (Países Baixos)





foto jsm  
    
    




O Barco Em Que Se Deve

deixar baloiçar
um homem. Uma mulher

em que se pensa, em que o homem pensa,

até ao último momento, talvez.
Devemos então fechar os olhos
para ver como, mar calmo,
e vista clara, o barco uma vez
após outra, cada vez mais penetrante,
alcança o mesmo promontório.



Tradução de August Willemsen e Egito Gonçalves.